Segundo informações publicadas em novembro pelo site Eu Quero Investir, o Brasil já atingiu a marca de 32 IPOs (Initial Public Offering) em 2020, ou seja, 32 empresas iniciaram a negociação de ações na Bolsa de Valores do Brasil (B3). Um dos processos que permeiam o IPO é o roadshow, momento em que os responsáveis pela empresa, como fundadores e diretores, viajam o mundo para encontrar seus potenciais investidores e captar investimentos.
A pandemia trouxe uma nova realidade para os roadshows: o alto risco de propagação do coronavírus, recomendações de distanciamento social e fechamento de fronteiras. O mercado financeiro foi impulsionado a driblar esses obstáculos e transformar cerimônias e encontros até então presenciais em eventos online.
Com 21 anos de atuação na área de Relações com Investidores, Fabiane Goldstein é sócia-fundadora da InspIR, consultoria especializada em Relações com Investidores, extremamente conceituada no mercado de IPOs. Em junho, Fabiane escreveu uma matéria para a Revista RI intitulada “IPO virtual: por que não?”.
Hoje, passados seis meses, Fabiane comenta este novo cenário: “O roadshow virtual realmente era um tabu. Antes havia a questão de abrir o capital e ir visitar os investidores para contar a sua história – tinha a lógica do olho no olho, do body language. Era uma tradição muito forte, tanto que no roadshow não existia nem a possibilidade de fazer nada que fosse híbrido. Ou você era um fundo ou uma gestora que estava nas principais cidades para fazer o roadshow ou você não ia participar do IPO de maneira nenhuma. Você tinha que esperar depois para comprar as ações no mercado”.
Em fevereiro, foi realizada a primeira “cerimônia virtual de listagem” do mundo, na China, pela Bestore – a maior indústria de salgadinhos e petiscos daquele país. No Brasil, a Estapar concretizou a primeira abertura de capital 100% virtual da B3, em maio, contando com roadshows e cerimônia de listagem virtuais.
“Os roadshows virtuais foram um divisor de águas. A empresa passou a ter o poder de acessar um número muito maior de investidores, sem ficar limitado a visitá-los pessoalmente. Não é preciso passar pela rotina de cobrir muitos países e muitas reuniões por semana. Além de acessar um número muito maior de investidores, você possibilita o diálogo com investidores relevantes ao negócio, que às vezes não estão nas principais cidades”.
Fabiane Goldstein, InspIR
Mas o que muda na preparação do profissional de RI?
As transmissões online exigem – além da familiaridade com o uso de tecnologias e equipamentos adequados – um fator importante: preparação. A iluminação do ambiente, o posicionamento de câmera, o local e as roupas, por exemplo, são detalhes que fazem diferença em uma transmissão virtual. O palestrante também precisa estar preparado para promover a interação com seu público online.
Para auxiliar nessa preparação, existem treinamentos voltados ao profissional de RI, focados em técnicas de apresentação para roadshows, investor days, entrevistas à imprensa e eventos em geral. A InspIR realiza esse tipo de treinamento utilizando como um dos métodos de aprendizado a filmagem do profissional e a orientação personalizada. Fabiane, sócia-fundadora da InspIR, explica: “Quando se inicia a filmagem da pessoa, é muito interessante ver a primeira apresentação. A pessoa sempre está tensa, a não ser que seja um profissional experiente, é normal começar nesse estado até engatar na apresentação. A pessoa faz a apresentação do jeito que ela sabe e é impressionante, pois depois da primeira filmagem, o profissional evolui 200%”.
A transmissão de credibilidade, a descontração e a retenção da atenção do público são pontos treináveis. São técnicas que podem ser ensinadas para o profissional aplicar em reuniões e eventos e ir evoluindo.
“A linguagem corporal e as técnicas específicas de discurso são a essência do treinamento. É possível, inclusive, aprender outras técnicas que estão além da personalidade da pessoa, que você nem sabia que existia”.
Fabiane Goldstein, InspIR
O tempo de treinamento varia muito de pessoa para pessoa. Para ter um bom feedback e fixação dos conhecimentos, Fabiane recomenda, no mínimo, 2 horas de treinamento. “O ideal é fazer de 2 a 3 filmagens, para a pessoa conseguir identificar sua evolução, portanto, o ideal seria 4 horas de treinamento”, finaliza.
E como deve ser a preparação para o relacionamento com os investidores?
A participação dos investidores pessoa física têm crescido no mercado financeiro e um dos desafios enfrentados hoje pelo RI é a adequação de linguagem. “Uma questão é adequar a informação para a pessoa física versus investidor institucional, pois o tipo de informação que a pessoa física demanda é diferente do investidor institucional”, comenta Fabiane.
Nesse sentido, ela esclarece o diferencial do treinamento de discurso para o profissional de RI: “A grande importância, na minha opinião, é justamente aprender a se colocar no papel do seu interlocutor. No treinamento, buscamos ensinar as técnicas para você engajar seu interlocutor, seja ele um analista, um investidor institucional, um investidor pessoa física ou até uma plateia de 200 pessoas, focando sempre em engajar essas pessoas o tempo todo”.
As rotinas do RI como o Q&A em uma teleconferência de resultados também podem ser ensaiados, diminuindo o risco de imprevistos. “Sugerimos para todos os nossos clientes fazer um treinamento de Q&A antes da teleconferência todo trimestre, como um ensaio. Mesmo para os CEOs que estão acostumados a responder perguntas, fazer um ensaio focado na sessão de Q&A, onde você discute qualquer tipo de imprevistos e qualquer pergunta que pode ser gerada de acordo com a resposta do CEO, você pode imaginar como responderia para evitar saia justa. Isso só melhora com treinamento. Principalmente quando a empresa está passando por um mau momento e você sabe que perguntas complexas aparecerão”, finaliza Fabiane.
Os profissionais de RI atentos ao mercado e que se preparam para o contato com seus investidores terão mais facilidade e sucesso em adequar o seu discurso ao interlocutor. Não basta olhar exclusivamente para o fator tecnológico e apostar em formatos de comunicação inovadores, o planejamento e o aprimoramento profissional são fundamentais.